terça-feira, 12 de junho de 2012

UnB Cerrado leva ciência até a Chapada dos Veadeiros

NO CAMINHO DO ALTO UnB Cerrado leva ciência até a Chapada dos Veadeiros para colaborar com o desenvolvimento e preservação da região Reflorestamento do cerrado: Reunião com a comunidade define estratégia de recuperação da natureza João Paulo Vicente Repórter · Revista darcy - João Paulo Vicente Repórter · Revista darcy A 230 km de Brasília e a salvo do fim do mundo, Alto Paraíso é tranquila no meio da semana. Menos numa casinha azul construída num terreno com pouco mais de 400 m2. É a sede provisória da UnB Cerrado, nome abreviado do Centro de Estudos do Cerrado da Chapada dos Veadeiros. Num canto, Adriele da Silva, de 15 anos, desenha com duas amigas uma planta baixa com a proposta de jardim e horta para o local. Na cena se concretiza um projeto que, nas palavras do idealizador Dáda, é a tradução do sonho que Darcy Ribeiro tinha de uma universidade voltada para as pessoas. Dáda é Eduardo Estellita, paranaense que se mudou para Alto Paríso em 1980, quando era “um jovem que queria mudar o mundo”. Em 2006, vereador pelo Partido Verde, ele apresentou na 2a Conferência Nacional do Meio Ambiente a proposta do que se tornaria o Centro. Em seguida buscou o apoio do senador e colega de sigla Fernando Gabeira, que pediu a Dáda apenas que encontrasse uma universidade para participar da empreitada. É aí que entra Nina Laranjeira, professora de Ciências Naturais da Faculdade de Planaltina (FUP). Ela ouviu a ideia de Dáda num evento sobre a bacia do Alto Tocantins, em 2007. Geóloga de formação, ela está ligada à educação ambiental desde o ínicio dos 90 e aceitou o desafio. Hoje, Nina coordena os cerca de 20 professores que desenvolvem trabalhos, programas e pesquisas na UnB Cerrado. “O que nós queremos aqui é compartilhar conhecimentos e trocar saberes”, afirma a professora. A equipe tem profissionais de áreas da Saúde, Biologia, Química, Artes, Turismo, Educação e Veterinária. O único pré-requisito necessário para quem quer entrar no Centro é ter interesse em investir seus conhecimentos na região. As atividades desenvolvidas estão divididas em dois grandes grupos: o da biodiversidade-ambiente e o sociocultural. Além dos professores do Distrito Federal, cerca de 40 alunos de graduação vão até a Chapada a cada 15 dias. A maior parte do trabalho, no entanto, é feita por tutores e estagiários da própria cidade. “Assim acontece um processo de formação em rede. Ao mesmo tempo em que essas pessoas nos auxiliam, aprendem a se organizar e planejar”, explica a professora Nina. A busca pela ajuda dentro da própria comunidade não para por aí. No regimento do Centro, existe espaço para a entrada de colaboradores, ou seja, alto-paraisenses que proponham a criação de projetos e participem ativamente dos trabalhos. O principal foco da UnB Cerrado é auxiliar o desenvolvimento sustentável de toda a Chapada dos Veadeiros, além de resgatar e registrar a história e a cultura da região. Nina acha que para chegar a esse ponto ainda é preciso conhecer melhor a comunidade. “Nós temos que descobrir os potenciais deles e eles têm que descobrir o que querem da UnB.” Cidade Fraternidade Uma das iniciativas da UnB Cerrado no ano passado foi a criação de Cursos de Formações de Jovem: 80 alunos do ensino médio e fundamental receberam bolsas de iniciação científica e extensão júnior para fazerem aulas de Comunicação e Mídia, Reparo e Manutenção de Eletrônicos e Agroecologia. Em 2012 o trabalho será diferente. Em vez de aulas com tutores e professores, os alunos, bolsistas e voluntários participarão de oficinas e projetos para melhorar a qualidade de vida na área em que moram. É o que já ocorre na Cidade Fraternidade, a 37 km de Alto Paraíso, 12 deles em estrada terra. A Cidade é um vilarejo fundado em 1963. Ali, funciona uma escola financiada pela Organização Social Cristã-Espírita André Luiz, onde ocorrem as atividades do Centro. Em 2003, as terras ao redor da Cidade foram invadidas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – logo em seguida, o Incra assentou 120 famílias no local. São os filhos desses agricultores que frequentam a escola e fizeram o curso da UnB Cerrado no ano passado. Agora, de volta aos encontros com Nina, eles discutem como fazer uma caracterização ambiental da área e um levantamento sobre a produção agrícola das famílias. “A maioria dessas famílias veio de áreas urbanas, eles não tinham ligação com o campo. O curso os sensibiliza, revaloriza a relação deles com a terra”, afirma a professora. Na Cidade Fraternidade, há uma horta onde os estudantes plantaram girassóis, feijão preto, melancia, amendoin, couve, tomate-cereja, rabanete, mucuma… Marcelo Correa da Silva, 16 anos e um pouco tímido, aponta cada uma das espécies sem titubear. “O curso ajuda a entender melhor aquilo que é a nossa realidade”, diz. Na terra do pai, ele diz que começou a reflorestar a área em volta de uma mina de água que não era perene, ou seja, secava. Espera conseguir mantê-la jorrando por um período maior a cada ano. Já Dhyonnes Nascimento, 16, e Mateus Rissiê, 18, aplicaram os conhecimentos que aprenderam de forma diferente. Eles se juntaram para fazer no lote de Mateus uma agrofloresta. “É uma junção de árvores frutíferas, leguminosas e hortaliças que se mantém sozinha, não precisa de muito manejo”, explica o mais velho. Noabio Moura, 21, por sua vez, concluiu o curso de reparo de eletroeletrônicos. O rapaz mora no Moinho, povoado a 12 km de terra de Alto Paraíso. Ano passado, ia até a cidade para as aulas. Agora, vai acompanhar a turma de meninos mais novos do Moinho em projetos para revitalizar o povoado. Foi na sua casa que a professora Lívia Pena, também da FUP, deixou uma quantidade de mudas suficiente para lotar a carroceria do 4×4 que serve como transporte do Centro. Lívia é responsável pela parte de segurança alimentar e acompanhou a reunião que o tutor Sat Nam fez com jovens do Moinho para discutir onde plantar as mudas. O povoado recebe muitos visitantes, e os garotos planejam um jardim na entrada da área. Sat também fez uma proposta: se os jovens plantassem hortaliças suficientes para suprir todo o consumo do Festival Internacional de Cultura Alternativa que acontecerá no Moinho no meio do ano, ele se comprometia a comprar toda a produção. “O objetivo é despertar neles o interesse pela terra”, afirma. “Aqui tem cerca de 60 famílias. É um povoado mais antigo que Alto Paraíso e as lendas contam que foi fundado por escravos libertos”, conta. Outra preocupação do Centro de Estudos do Cerrado é reconstruir a história local. “É preciso registrar como surgiram os povoados, e também o conhecimento tradicional local”, afirma a professora Lívia. Com esse intuito, já foi organizada no Moinho uma Oficina sobre Ervas Medicinais e uma Cartilha sobre Partos e Nascimentos Naturais, ambas com os conhecimentos de Dona Flor, famosa parteira da região. “Também organizamos uma cartilha sobre alimentação saudável e nutrição, com a ajuda de quatro alunas extensionistas da FUP”, conta Lívia. Águas do Cerrado A famosa e bela natureza da Chapada dos Veadeiros não escapou dos esforços da UnB Cerrado. Um grupo de professores se dedica a estudar três rios da região: o São Bartolomeu, o Tocantinzinho e o Rio dos Couros. Valéria Belloto, professora do Instituto de Química e vice-diretora do Centro, encabeça o grupo que se preocupa com a qualidade química e microbiológica das águas. É o projeto de extensão Guardiões das Águas. “No ano passado, focamos o trabalho no São Bartolomeu. Ainda temos muita dificuldade para chegar até os outros dois”, afirma Valéria. Ela conta que a água do São Bartolomeu, que nasce dentro de Alto Paraíso e corre pelos povoados do Moinho e do Sertão, é praticamente natural em relação aos aspectos químicos, como acidez e salinidade. A análise microbiológica, no entanto, ainda não pode ser feita porque falta infraestrutura. “Os pontos de coleta são muito longe entre si e para medir a quantidade de coliformes fecais, por exemplo, eu só tenho 6 horas após a coleta.” A expectativa de Valéria é a instalação de um laboratório de biologia no prédio da UnB Cerrado (veja box), que permitirá fazer essas análises em Alto Paraíso. “As bacias da Chapada são pouco conhecidas”, afirma Valéria. Ao lado dela, outros professores da Biologia e da Química estudam a fauna e flora das águas da região. Também há aqueles que se concentram em observar o que acontece acima das árvores, como o professor Roberto Cavalcanti. Recentemente indicado para a Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, no ano passado Cavalcanti levava estudantes da região para observar e fotografar pássaros ao redor de Alto Paraíso. A UnB Cerrado tem atividades desde 2009. Nesse primeiro ano, Nina Laranjeira percorreu os 230 km que separam a capital do Brasil da Chapada todos os finais de semana, com apenas três exceções. Agora, a Faculdade de Planaltina vai lançar um edital para professor substituto e ela poderá ficar direto na Chapada. “Temos muito trabalho a fazer por aqui, isso é só o começo. Mas gosto de pensar naquele provérbio chinês: ‘para voar alto, é preciso ter raízes profundas’.” http://www.revistadarcy.unb.br/?page_id=1242

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