09/1/2014 - 10h39
por Karina Toledo, da Agência Fapesp
Agência FAPESP – A Mata Atlântica está na iminência
de perder um de seus mais ilustres habitantes: a onça-pintada (Panthera
onca). O alerta foi feito na revista Science, em carta publicada por um
grupo de pesquisadores brasileiros membros do Sistema Nacional de Pesquisa em
Biodiversidade (Sisbiota).
“Uma recente reunião de especialistas em vida
selvagem concluiu que a Mata Atlântica, que no passado se estendia por toda a
costa brasileira e também por parte da Argentina e do Paraguai, pode em breve
ser o primeiro bioma tropical a perder seu principal predador, a onça-pintada”,
relataram os cientistas na carta.
“Pesquisadores estimaram menos de 250 animais
adultos vivos em todo o território, distribuídos em oito populações isoladas.
Ainda pior, análises moleculares demonstraram que o tamanho da população
efetiva local (número de animais que estão de fato se reproduzindo e deixando
descendente, um parâmetro crítico para a manutenção da diversidade genética)
está abaixo de 50 animais”, destacaram.
De acordo com Ronaldo Gonçalves Morato, coautor do
texto e chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos
Carnívoros (Cenap) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), entre as causas do declínio estão a perda de habitat resultante do
desmatamento e da fragmentação da mata e também a caça. Estima-se que,
atualmente, reste apenas entre 7% e 12% da cobertura original da Mata
Atlântica.
O impacto do desaparecimento da onça-pintada para o
ecossistema local é difícil de prever, mas certamente o saldo será negativo.
“Quando um grande predador desaparece, pode haver explosão nas populações de
herbívoros, como veados, catetos e queixadas. Em excesso, esses animais acabam
consumindo todo o sub-bosque da floresta e isso implica em perda da capacidade
de recomposição e perda de estoque de carbono. Em longo prazo, pode levar à
quebra da dinâmica da floresta”, avaliou Morato.
Pedro Manoel Galetti Junior, professor do
Departamento de Genética e Evolução (DGE) da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar) e coautor do texto, lembrou que o desaparecimento da onça-pintada pode
ainda causar aumento desmedido nas populações de predadores intermediários,
como jaguatiricas e outros carnívoros.
Por sua vez, isso poderá levar a um aumento na
predação de ninhos e, potencialmente, à extinção local de muitas aves,
importantes dispersoras de sementes, e alterar a estrutura da vegetação. “O
predador de topo de cadeia tem um papel de regulação do ecossistema e, quando
ele desaparece, um distúrbio é criado. Isso pode causar a extinção de algumas
espécies, até que o ecossistema encontre um novo equilíbrio”, disse Galetti,
que coordena pesquisa apoiada pela FAPESP e realizada no âmbito do Sisbiota –
programa lançado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) em 2010 que reúne pesquisadores de diversos Estados e, em
São Paulo, conta com financiamento da FAPESP.
Plano estratégico para conservação
A iniciativa de enviar o alerta para a revista
Science, contaram os cientistas, surgiu após uma reunião promovida em setembro
de 2013 pelo Cenap com o objetivo de elaborar um plano estratégico para a
conservação da onça-pintada na Mata Atlântica.
“Na semana anterior ao evento, havia sido publicado
também na Science um artigo sobre a recuperação da população de carnívoros no
Hemisfério Norte graças a medidas adotadas há mais de 20 anos, como
reflorestamento, reintrodução e translocação de indivíduos. Alguns fatores de
manejo utilizados por lá permitiram que algumas espécies praticamente extintas
voltassem a ocupar certos espaços. Nossa carta tinha o intuito de fazer um
contraponto a esse artigo”, contou Morato.
O evento promovido pelo Cenap reuniu diversos
membros da rede Sisbiota. O objetivo do grupo é fomentar e ampliar o
conhecimento não apenas sobre predadores, mas sobre toda a biodiversidade
brasileira, bem como melhorar a capacidade preditiva de respostas às mudanças
de uso e cobertura da terra e às mudanças climáticas.
De acordo com os especialistas, a medida mais
urgente a ser tomada para salvar a onça-pintada seria o aumento da fiscalização
para evitar a perda de indivíduos tanto pela caça quanto pela redução do
ambiente causada pelo desmatamento ilegal.
“Primeiro precisamos estancar a perda para então
pensar em trabalhar para recuperar as populações. Estamos discutindo a
possibilidade de fazer a translocação de indivíduos (colocar novos animais em
uma população existente para trazer informação genética nova para o grupo),
pois as análises têm mostrados que geneticamente muitas dessas populações
remanescentes estão comprometidas. Mesmo se a perda de animais cessar, será
necessário recompor essas populações”, afirmou Morato.
Outra possibilidade, contou o pesquisador do Cenap,
é recorrer a ferramentas de reprodução assistida. “Podemos coletar sêmen de um
indivíduo de uma região e inseminar uma fêmea de outra população, por exemplo.
Esse mecanismo pode ser mais prático do que fazer a translocação”, contou
Morato.
De acordo com o plano em elaboração pelo Sisbiota,
nenhum animal seria solto sem um sistema de monitoramento 24 horas e sem um
programa prévio de educação e conscientização com as comunidades do entorno. “É
necessário um trabalho forte para que essas comunidades aceitem o retorno do
animal. É preciso orientação para que não haja risco no contato com a população
humana e para que haja um manejo de rebanhos de modo a evitar a caça por perda
econômica”, afirmou Morato.
Para Galetti, antes que qualquer medida seja
tomada, é preciso ampliar o conhecimento científico sobre a onça-pintada – o
que inclui informações sobre a biologia, a ecologia, a genética e os sistemas
em que ela está incluída, ou seja, os demais organismos que interagem com ela.
“Não se pode pensar em translocar animais enquanto não se tem segurança e
controle sobre os impactos da medida”, ponderou.
Muitos dos estudos que embasam a discussão do plano
de recuperação da onça-pintada foram conduzidos no âmbito do Sisbiota, que
completa três anos. Parte dos dados foi apresentada nos dias 9 e 10 de
dezembro, em São Carlos, durante o 1º Simpósio Brasileiro sobre o Papel
Funcional de Predadores de Topo de Cadeia.
O artigo Atlantic Rainforest’s Jaguars in
Decline (DOI: 10.1126/science.342.6161.930-a), de Ronaldo Morato, Pedro
Galetti e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org/content/342/6161/930.1.full?sid=b8928fb9-3760-4f2e-9188-23bc28d2dc2f.
* Publicado originalmente no site Agência Fapesp.
(Agência Fapesp)
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