Conquistas e impasses de engenheiro florestal que se especializou
em combater deflorestamento identificando corporações que tiram
proveito dele — e denunciando-as em ações poderosas de anti-marketing
Por
Eduardo Tollendal
O semanário
Courrier International (No. 1229, de 22 a 27 de maio de 2014, França) traz uma matéria (extraída do diário
The Sydney Morning Herald,
da Austrália, de 29 de março último, assinada por Michael Bachelard) em
que o engenheiro florestal Scott Poynton nos é apresentado como o homem
que pode salvar o planeta com seus poemas. Se o prognóstico se
confirma, considerando-se que para salvar a humanidade seria bom salvar
primeiro o planeta que nos constitui e sustenta, Scott Poynton pode se
candidatar a ser alguém mais importante – ou mais efetivo – que Jesus
Cristo e outros candidatos a Salvador.
Sua estratégia é direta: agir sobre as grandes empresas devastadoras
das nossas floresta e sobre seus consumidores. A primeira abordagem é
mais delicada e exige uma condição privilegiada para se ter acesso aos
senhores executivos e suas consciências – ambos, quase sempre,
inacessíveis, pelo menos, para os comuns mortais. Mas Scott Poynton tem
esta condição privilegiada – e, por isso, não descarta a importância de
agências como o Greenpeace, que considera promoverem ações eficazes,
indispensáveis e complementares ao seu trabalho.
Poynton é um homem racional e científico. Com os funcionários da sua organização sem fins lucrativos
The Forest Trust (TFT),
estuda a cadeia produtiva dos grandes produtores de matéria-prima
visando identificar os prejuízos ecológicos e sociais que suas ações
provocam. Depois, lhes mostra como trabalhar de outra maneira. Graças a
este modelo, tem conseguido convencer empresas como Wilmar, Nestlé,
Ferrero e Asia Pulp & Paper a prosseguirem suas atividades sem
desflorestar nem causar danos às populações que dependem das florestas.
Sobre alguns executivos de grandes empresas, ele declarou certa vez:
estas pessoas estavam tão intoxicadas [por alguma droga, talvez o
dinheiro] que nenhuma ONG queria negócio com elas. É incrível: muitas
empresas desconhecem (ou fingem desconhecer) a cadeia de produção de
matéria-prima. Mentem, dizendo, por exemplo, que trazem madeira
sustentavelmente produzida do Vietnã; quando esta madeira é derrubada
sem qualquer cuidado ético nas florestas do Cambodia e enviada, boiando
nos rios, ao Vietnã, onde é simplesmente embarcada para as centrais de
produção pelo mundo afora.
Quando descobriu e revelou este truque, a ONG Global Witness publicou um relatório intitulado
Made in Vietnam, cut in Cambodia,
que abalou todo o setor de móveis para jardim. Diz ele: os ecologistas
fizeram o que sabem fazer melhor, pendurar-se nos prédios e traumatizar
as empresas. Enquanto isto, eu estava lá, com a solução.
Quanto à abordagem dos consumidores, é uma tarefa mais fácil. Eles se
mostram tão cansados de serem enganados e explorados, eles estão tão
seriamente preocupados com o futuro do planeta e da humanidade, que
aceitam bem a sugestão de Scott Poynton de, simplesmente, suspender a
demanda de produtos elaborados com matéria-prima ilegalmente produzida,
do ponto de vista da preservação das fontes naturais, pelo menos até que
as grandes empresas se enquadrem num sistema de produção de
matéria-prima – hoje, basicamente, a derrubada de nossas florestas –
mais saudável e, nem por isso, menos lucrativo.
Poynton sabe que a única coisa que as empresas temem é terem uma
imagem negativa junto aos consumidores, como responsáveis pela
destruição da natureza a um ponto sem retorno – assim que a temperatura
global aumentar não mais que 6 graus centígrados – para a salvação da
humanidade. Assim aconteceu com a Nestlé, cujos executivos entraram em
pânico, quando o Greenpeace conseguiu veicular uma mensagem em que um
trabalhador, aborrecido em seu trabalho tedioso, morde uma suculenta
barra de cereal e vê jorrar o sangue vermelho do dedo de um orangotango,
empacotado junto com a guloseima.
Mas Poynton não se contenta em expor os fatos. Frequentemente, toca
os patrões graças à poesia. Diz ele: “A mudança vem da alma, assim como
do cérebro, e se eu tenho algum talento, é para encontrar a pessoa que
desfaz as amarras, para compreender como ela funciona e para
encorajá-la”. Um de seus poemas tem os seguintes versos: “O homem é
perecível, mas não sejamos perecíveis sem resistir / E se o nada nos
espera / Façamos com que ele seja, apenas, um destino injusto”.
Explica-se Poynton – falando aos senhores executivos: “eu penso que há
um grande risco de que terminemos todos como baratas. A temperatura vai
esquentar rapidamente. Tenho medo que não possamos fazer nada. Contudo,
devemos poder nos olhar no espelho, na hora da nossa morte, e dizer ‘eu
fiz tudo que podia’”.
A matéria termina com a seguinte nota: o governo australiano acaba de
pedir à Unesco para “desclassificar” 74 mil hectares de floresta na
Tasmânia. Uma zona protegida por um acordo assinado em 2011 pelo
governo precedente (uma coligação de ecologistas e trabalhistas) e
considerada patrimônio mundial da humanidade desde 2013. O objetivo do
Partido Liberal, atualmente no poder, é abrir esta zona para a
exploração florestal – assim como 400 mil hectares suplementares no
território australiano. A Unesco deverá tomar sua decisão na sua próxima
reunião, em Doha, Qatar, entre 15 e 25 de junho próximos.
A luta é dura. Em novembro de 2013, Poynton havia convencido Kuok
Khoon Hong, patrão do grupo de Singapura Wilmar, o maior produtor de
óleo de coco (
palme) de coqueiros. Mas alguns atores do setor
não estavam de acordo. O homem que controla 45% do mercado mundial de
óleo de coco, então, recuou, tomado pelo temor de dar o “grande salto”
sozinho.
Poynton, que havia negociado com a Wilmar durante meses e defendido
sua causa junto a Hong numa longa mensagem em que lhe apresenta
argumentos comerciais a favor de uma mudança de atitude, resolveu,
então, recorrer à arma mais poderosa de seu arsenal: enviou ao magnata
um
strip do cartunista australiano Michael Leunig.
“No alto do imóvel mais alto do mundo, estava assentado o homem mais
triste do mundo”. Assim começa esta história, em forma de conto. A
última vinheta mostra um anjo em estado deplorável, vestido de branco e
deitado sobre a lama, mas sorrindo para o fundo do coração deste homem
solitário. “Mandei isto para o executivo-chefe da Wilmar e lhe disse: Eu
acredito que no seu interior há um anjo pronto para a mudança. Eu vi
este anjo e, agora, você nega a sua existência. Ouça-o e passe à ação” –
lembra-se Poynton. Dois dias mais tarde, Hong lhe respondeu: “Estamos
prontos para passar à ação”.
Se Scott Poynton se exprime, hoje, é porque ele está convencido de
que seu método pode dar certo, embora saiba, também, que sua missão é de
tal forma colossal que sua organização não conseguirá nada sozinha.
Recentemente, contudo, ele descobriu que sua empresa não estava
trabalhando com aquelas que produzem 95% da destruição das florestas
mundiais: os produtores de produtos agrícolas de base, como a as
plantações de soja e a criação de gado, na Amazônia. Vamos esperar para
ver o que Poynton e seu método ético e poético irá conseguir na luta
contra as motosserras brasileiras. Olho nele! – Poynton representa,
hoje, a maior esperança de salvação das nossas matas verdejantes e,
portanto, de sobrevida para o planeta e a humanidade.
http://outraspalavras.net/blog/2014/06/15/terrorismo-poetico-contra-as-motosserras/